Aproximadamente 840 milhões de pessoas sofrem com a sede e a fome no mundo. Uma solução para a erradicação desses problemas está na agricultura irrigada. Novos métodos de irrigação proporcionam maior produção através da otimização da água.
O relatório “Avaliação Compreensiva do Gerenciamento de Água em Agricultura”, do Instituto Internacional de Gerenciamento de Água (IWMI), afirma que a agricultura irrigada consome mais de 70% da água doce disponível no mundo; em muitos casos, seu aproveitamento é inferior a 40%. Em média, para se produzir um quilo de batatas, são gastos, na sua plantação, de 150 até 400 litros de água; já para um quilo de cereais, outros 1.500 litros.
No último século, a população mundial triplicou, e com isso o consumo de água subiu em seis vezes. Com esse aumento populacional, cresce a necessidade de se produzir mais alimentos com menos água. O IWMI alerta que será necessário um suprimento de água 60% maior que o atual – mesmo havendo no decorrer dos anos um aumento estimado de 13% a 17% na eficiência da água.
De acordo com dados da Agência Nacional, Superintendência de Conservação de Água e Solo, a agricultura irrigada representa 17% da área cultivada no mundo, sendo que contribui com 40% da produção mundial de alimentos. No entanto, segundo o especialista em recursos hídricos Cláudio Ritti Itaborahy, a ignorância relacionada aos métodos de irrigação, às necessidades hídricas das culturas e à operação dos equipamentos tem levado a uma aplicação – ora demasiada, ora deficitária – de água, contribuindo para o baixo rendimento das culturas e para um grande desperdício de água.
“No Brasil, para cerca de 93%, dos quase 3 milhões de hectares irrigados, ainda se utiliza os métodos menos eficientes do mundo, sendo que, sobre 56%, utiliza-se o espalhamento superficial, segundo os moldes dos egípcios, ou seja, de 3.500 anos a.C.”, afirma Aldo da Cunha Rebouças, geólogo e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (IEA-USP). Esse método é um dos fatores que provocam a erosão do solo. O Banco Mundial alerta que as terras agrícolas do mundo têm sido degradadas a um ritmo de 0,1 por cento ao ano.
Procurando solucionar essa problemática, empresas e pesquisadores investem em novos métodos de irrigação que usem a água de maneira racional para conseguir através, de um bom controle de irrigação, um aumento na produtividade de alimentos.
Irrigação inteligente
Apesar de a irrigação convencional trazer vantagens aos produtores rurais, hoje em dia, com os avanços das tecnologias, novos métodos estão sendo criados para uma irrigação mais eficiente. Uma nova técnica é a irrigação inteligente, este sistema controla de maneira automática o acionamento ou desligamento da irrigação, só irrigando quando detecta, através de sensores de umidade do solo, a falta de água nas plantas, evitando a escassez ou o excesso de irrigação.
As irrigações convencionais caracterizam-se por ciclos de rega bem definidos e com uma quantia fixa de água. Porém, esse método convencional é deficiente, já que o nível de umidade do solo não depende apenas da irrigação: depende também da quantidade e freqüência das chuvas, das condições climáticas, da ação dos ventos, entre outros fatores.
Já a irrigação inteligente se caracteriza por liberar quantias de água diferenciadas para cada ciclo, tendo os intervalos e tempos de irrigação diferentes para cada ocasião. Teoricamente, um sistema de irrigação ideal é aquele que fornece água e nutrientes à planta diretamente na zona radicular, no exato momento em que ela necessita e na mesma taxa com que ela os consome.
– Benefícios
– Economia e eficiência de aplicação de água: os sistemas inteligentes chegam atingir uma redução de 40% do volume de água em relação a outros métodos de irrigação.
– Maior produção e melhor qualidade do produto: a umidade constante e ideal nas raízes das plantas evita a ocorrência de estresse hídrico, portanto, favorece seu desenvolvimento com incremento da produção e melhor qualidade do produto.
– Redução da mão-de-obra: diminui a mão-de-obra operacional em até 25%.
Empresas brasileiras de irrigação inteligente
Algumas das empresas que trabalham com sistemas de irrigação inteligente no Brasil são: Grupo Fockink (RS); Glep Empreendimentos e Participações Ltda (SP); Lindsay América do Sul (SP), Habitat Automação (CE), Irrigarden (PR); e Hidrosense Comércio de Sistemas para Irrigação (SP).
– Entrevista com as empresas
As empresas citadas foram contatadas através de e-mail e, apenas a Hidrosense, Habitat Automoção e o Grupo Fockink responderam às perguntas enviadas. As demais não se pronunciaram até o fechamento desta reportagem.
– Tem sido grande a procura pelos sistemas de irrigação inteligente?
As empresas Habitat e Fockink afirmam que vem crescendo o número de interessados por sistemas de irrigação inteligente. Mas a Hidrosense discorda e afirma: “Depois de quatro anos de atuação, o nome da empresa tem facilitado a comercialização mas, de modo geral a procura ainda é pequena”.
– Até quanto pode chegar à economia de água utilizando esse método de irrigação?
A média da economia de água com os sistemas de irrigação das empresas ficou em 30%.
– Quanto custa, em média, um sistema completo de irrigação por hectare?
Com relação aos custos para implantação de seus sistemas, a Habitat falou: “Difícil mensurar o valor, pois depende muito do tipo de planta e como é composto o terreno a ser irrigado”. Já a Hidrosense, fabricante do Irrigás, disse que o preço pode variar de R$ 700,00 – com um equipamento portátil – até R$ 4 mil com um equipamento com registro eletrônico, automação e outros recursos. Um sistema de irrigação inteligente do Grupo Fockink custa, em média, de R$ 4 a 6 mil por hectare.
– Em média, em quanto tempo esse sistema se paga?
O Grupo Fockink disse que seu sistema costuma se pagar em quatro anos, enquanto a Hidrosense afirma que o seu paga-se de três a dez meses. Já a Habitat comenta nunca ter feito o cálculo.
– A empresa sabe qual o percentual dos agricultores brasileiros possuem sistemas de irrigação inteligente?
Nenhuma das empresas possui dados sobre o número de agricultores que utilizam sistemas inteligentes para irrigação, mas a Hidrosense acredita que seja menos de 1%.
– Resultados obtidos com seus sistemas
A empresa Hidrosense, fabricante do sensor Irrigás, forneceu alguns resultados obtidos por seus clientes após a instalação de seus produtos:
– A Seminis, produtor de sementes – em sua estação de pesquisa, com um controle de irrigação mais adequado, conseguiu obter sementes de tomate com quase 100% de germinação, contra 85% anteriormente;
– A SAKATA, também produtor de sementes – adquiriu três equipamentos para monitorar a produção de tomates em substrato e estufa. Conseguiu uma redução de 40% nos volumes irrigados e também diminui o tamanho dos potes de cultivo de oito para três litros;
Já o Grupo Fockink desenvolveu um projeto-piloto que pode ser a salvação da atividade leiteira, que se encontra uma grave crise. Batizado de “Leite Irrigado”, o projeto prevê a utilização de sistemas de irrigação por pivô central para produzir pastagens em pastoreios rotativos. Os animais, com isso, passam a viver em piquetes, ao ar livre, alimentando-se exclusivamente de pasto irrigado. Com a eliminação da ração, os agentes do setor poderão ver a sua margem de lucro, hoje inexpressiva, subir sensivelmente. O contato ininterrupto com a natureza, de outra parte, reduz os níveis de estresse das vacas e aumenta, conseqüentemente, a resistência delas as doenças, o que evita gastos com medicações. Os primeiros dados indicam que a rentabilidade saltou de 6% para 30%, com ótimas chances de crescimento.
O que dizem os agricultores
Alcindo Berlitz, que utiliza a irrigação convencional por aspersão há quatro anos, comenta ter conhecimento sobre a existência da irrigação inteligente. No entanto, afirma não possuir muitas informações sobre esse método que conhecera através do sindicato local dos agricultores e de conversas entre os próprios produtores. “Estou começando a investir mais em irrigação. Por enquanto, tenho somente uma pequena área irrigada, mas em breve quero expandir para toda plantação, além de modernizá-la”, diz o agricultor da cidade gaúcha de Dois Irmãos.
A família dois-irmonense de Leandro Becker possui instalados, em suas estufas, sensores que acionam a rega por gotejamento caso a temperatura ultrapasse os 27ºC. “Pode notar que aqui dentro (estufa) está bem mais fresco que lá fora […] Para se ter uma noção de quanta água usamos na irrigação por gotejamento; se durante o inverno gastamos 8 mil litros para irrigar as plantas de uma estufa, no verão são gastos 36 mil para deixá-la com uma temperatura agradável e não perder a produção”, afirma o produtor. Apesar do sistema da família Becker ser mais moderno, não pode ser considerado uma irrigação inteligente, já que leva em consideração a temperatura do ambiente ao invés da umidade do solo.
Becker, que também demonstrou um pouco de conhecimento sobre os sistemas inteligentes, sustenta a idéia de que é necessário um investimento contínuo nos equipamentos e métodos de produção. No entanto, adverte que é preciso haver um planejamento. “Agora vamos dar um tempo (nos gastos)! Compramos dois caminhões com financiamento do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), e investimos bastante no sistema de produção por hidroponia. Mas futuramente vamos procurar novos métodos para aumentar a produção e melhorar a qualidade de nossos produtos. Temos que ver que o retorno de todo esse investimento vem em centavos”, salienta o agricultor.
Ambos os produtores afirmam que, sem o uso da irrigação, ficaria difícil colher o ano todo; principalmente durante o verão, quando o calor é mais intenso e as plantas necessitam de mais água. Eles acreditam que a irrigação inteligente é uma técnica excelente para agricultura, mas o valor elevado do investimento ainda faz com que optem por sistemas mais econômicos.
Investimentos do Governo Brasileiro
Atualmente, o governo brasileiro possui a Agência Nacional das Águas (ANA), responsável por implementar e coordenar a gestão compartilhada e integrada dos recursos hídricos e regular o acesso à água. Em contato via e-mail com a ANA, o especialista em recursos hídricos Cláudio Ritti Itaborahy, disse não conhecer estatísticas sobre o uso da irrigação inteligente no Brasil. Mas afirma que a indústria de sistemas inteligentes tem procurado melhorar seus produtos e a normatização vem a reboque via Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Itaborahy explicou que incentivos financeiros para uso de irrigação inteligente pela União e pelos Estados não são diretos, mas sim indiretos, sendo feitos através de incentivos em pesquisa. “Existem incentivos que podem advir de recursos do CTHidro – Fundo Setorial de Recursos Hídricos”, afirma Itaborahy. O CTHidro destina-se a financiar estudos e projetos na área de recursos hídricos, para aperfeiçoar os diversos usos da água.